Mestra Jararaca, nascida Valdelice Santos de Jesus na Bahia, Brasil, é uma figura pioneira no mundo da Capoeira Angola e um símbolo de resiliência, talento e herança cultural. Reconhecida como a primeira Mestra de Capoeira Angola na Bahia, a sua história reflecte a força de uma mulher que desafiou expectativas, superou obstáculos e forjou o seu próprio caminho numa forma de arte profundamente tradicional.

Quem viu uma menina séria e de sorriso tímido brincando nas rodas do Mestre João Pequeno, em Santo Antônio, jamais poderia imaginar que um dia ela se tornaria mestre. Nem mesmo ela previa tal destino. Mas talento, coragem e um espírito inquebrantável guiaram "a menina que brincava como um homem", como muitos diziam.

Começou a praticar capoeira aos 11 anos, muitas vezes escondida do pai, que insistia que capoeira era "coisa de menino". Apesar do risco de ser repreendida, continuou a frequentar as rodas com a irmã mais velha Rita (Ritinha), aluna dedicada de João Pequeno. Os seus treinos foram interrompidos quando o pai a proibiu de continuar, e só depois do seu falecimento, em 1989, é que regressou à arte que sempre a chamou.

Durante o período em que esteve afastada da capoeira, Valdelice enfrentou de frente os desafios da vida. Começou a trabalhar ainda muito jovem, vendendo doces, servindo de enfermeira e trabalhando como faxineira. Enquanto trabalhava numa casa, pediu à patroa, a respeitada líder espiritual Ciandra Mãe, que lesse um artigo de jornal para ela. Ao ouvir que "quem não sabe ler é cego para o mundo", ela voltou para casa determinada a "não ficar cega". Estudou no Instituto Isaías Alves, enquanto jogava futebol com os meninos do bairro nas ruas de Santo Antônio do Carmo.

Quando voltou à capoeira, sua ascensão foi rápida. Logo se tornou professora da academia do Mestre João Pequeno, trabalhando ao lado de grandes nomes como Mestre Curió e Mestre Moraes. Reconhecendo o seu potencial e o seu estilo único, Mestre Curió convidou-a para treinar com ele. "Eu já era professora", disse ela, "mas quando entrei na academia do meu mestre, precisava aprender um novo jogo".

Foi durante esse período que ela recebeu o nome de Jararaca. Segundo Mestre Curió, basta vê-la jogar para entender o apelido - ela se movimenta com a precisão, a fluidez e o perigo de uma cobra.

Seu talento e dedicação a levaram a se tornar uma contra-mestra, e em 2008, numa grande e tradicional roda, recebeu o título de Mestra, como ditam os costumes da Capoeira Angola.

Hoje, perto dos quarenta anos e criando seus dois filhos, Luiz e José Carlos, ela continua profundamente envolvida na Capoeira Angola, trabalhando ao lado de Mestre Curió, ele próprio um aluno do lendário Mestre Pastinha. Sua jornada continua a inspirar gerações de capoeiristas-especialmente mulheres-em todo o Brasil e além.

Quando se trata de enfrentar o preconceito, Mestra Jararaca deixa seu jogo falar por si.
"Não tenho paciência para pessoas que acham que ser homem, ser forte ou ter um pouco de treino as torna superiores. A capoeira é uma escola de todos os dias, que dura a vida inteira e serve tanto para homens quanto para mulheres."

Como a primeira Mestra de Capoeira Angola na Bahia, ela honra os que vieram antes dela e abre portas para os que virão depois, provando através de sua vida e movimento que a capoeira é de todos.