• Viveu em: Sao Paolo, Brasil
  • Data de nascimento: 27-Jan-1909
  • Data de falecimento: 27-Oct-2006
  • Aprendeu com:
  • Estilo de Capoeira: Angola
Biografia:

Cícero Navarro (27 de janeiro de 1909 - 27 de agosto de 2006), conhecido como Mestre Onça Preta, é uma das figuras mais importantes no início da história da Capoeira Angola. Nascido em Salvador, Bahia, ele viveu quase um século de transformação cultural brasileira e teve um papel decisivo em levar a tradição da Angola baiana para o século XX e além.

Início da vida e formação na Bahia

Crescendo em Salvador durante um período em que a capoeira ainda era criminalizada pelo Código Penal de 1890, Onça Preta entrou na arte numa época de segredo, perigo e resistência. Ele aprendeu com alguns dos mais lendários capoeiristas da primeira e segunda gerações modernas, incluindo:

  • Aberrê

  • Samuel Querido de Deus

  • Noronha

  • Juvenal

  • Mestre Pastinha

Este círculo de primeiros mestres moldou a sua compreensão da mandinga, da esperteza, do ritual e da profundidade cultural do estilo angola.

Seu apelido, Onça Preta ("Pantera Negra "), reflete tanto sua agilidade quanto o respeito - e o medo - que ele impunha na roda.

Uma figura fundamental no reconhecimento público da capoeira

Um dos momentos marcantes da sua vida ocorreu em janeiro de 1937, quando Onça Preta participou da histórica roda no II Congresso Afro-Brasileiro, organizado por Edison Carneiro.

Este evento marcou um ponto de viragem, tirando a capoeira da sombra e apresentando-a publicamente como um património cultural afro-brasileiro digno de respeito.
O seu jogo com Samuel Querido de Deus durante o congresso tornou-se parte da memória da capoeira.

No ano seguinte, em 1938, ele apareceu na roda fotografada pela antropóloga Ruth Landes em Itapagipe - um dos primeiros registos fotográficos de jogadores de Angola.

Contribuição para o CECA da Pastinha e Tradições de Roda

De acordo com os manuscritos de Mestre Pastinha, Onça Preta estava entre aqueles que ajudaram a fundar o Centro Esportivo de Capoeira Angola (CECA) em Gengibirra em 1941, que logo se tornaria a instituição angolana mais influente do século XX.

Ele também organizava rodas de mandinga nos bairros de Pau Miúdo e Alto das Pombas, conhecidos por serem lugares de brincadeiras rituais, jogos ardilosos e profunda cultura angolana.

Desafios, sobrevivência e migração para o Rio de Janeiro

Em 1955, jornais como Última Hora anunciaram um desafio de capoeira entre Artur Emídio e Onça Preta, atestando a sua reputação.

Mas sua vida também carrega as cicatrizes da repressão. Durante uma batida policial numa roda na Cidade Baixa, oficiais da cavalaria o pisotearam. Os ferimentos o impediram de jogar durante anos, deixando marcas permanentes nas pernas - uma lembrança da violenta criminalização da cultura afro-brasileira.

Por volta de 1959, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde sua influência continuou a crescer.

Cofundador de Filhos de Angola

Em 1960, ao lado dos Mestres Roque, Mucungê, Dois de Ouro, Baleado e Imagem do Cão, co-fundou o grupo Filhos de Angola, um dos primeiros grupos angolanos do Rio de Janeiro.

Este grupo tornou-se um elo crucial na transmissão da linhagem baiana para o Rio, ajudando a criar a cena angolana que mais tarde influenciaria mestres como Moraes, Neco, Braga, Cobra Mansa e outros.

Participou de projetos culturais como o Projeto Capoeira Dança no Circo Voador (1982), e contribuiu musicalmente, inclusive tocando pandeiro no disco do Mestre Paraná.

Vida posterior e legado

Uma entrevista de 1972 em O Dia revelou as dificuldades enfrentadas por muitos dos primeiros mestres: na época ele trabalhava como zelador num hospital infantil, vivendo modestamente no subúrbio do Rio.

Em 1985, mudou-se para São Paulo, onde continuou a ensinar e a transmitir os seus conhecimentos até ao seu falecimento, a 27 de agosto de 2006, com 97 anos de idade.

Entre os guardiões de sua linhagem estão:

  • Mestre Inauá

  • Mestre Mucungê

  • Mestre Arerê (que documentou sua vida e atuação)

Legado

Mestre Onça Preta é lembrado hoje como:

  • uma ponte entre as primeiras gerações de Angola e a era moderna

  • um participante em eventos históricos fundamentais

  • cofundador dos Filhos de Angola, influenciando o movimento angolano do Rio de Janeiro

  • um guardião da mandinga, do ritual e da tradição baiana

  • uma das figuras ancestrais mais antigas e respeitadas na história da Capoeira Angola

Sua vida de quase um século abrangeu a criminalização, a resistência, a reorganização e a expansão global da capoeira.
Através da história oral, rodas, manuscritos e gerações de alunos, seu legado permanece profundamente enraizado na alma da Capoeira Angola.

Aprendeu com Mestre Onça Preta